quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Acervo

-Então senhor Johnson, nesse meu negocio, eu tenho algumas peculiaridades sabe? E uma delas é uma enorme coleção de corpos, um baita acervo! Tenho de tudo, etnias, tamanhos, nacionalidades, gêneros, classe social, idade, de tudo mesmo sabe, e guardo cerca de 60 corpos com muito carinho em seus potes e camas de formol, quer dar uma olhada? É logo no andar de cima.
Johnson, familiarizado com seu negocio, já tinha em mente que seu novo fornecedor poderia ter algumas manias estranhas, uma coleção de corpos conservados no andar de cima, por exemplo, nada demais comparado com alguns de seus antigos fornecedores, que comiam os restos das vitimas, faziam enfeites, ou algumas coisas que nem valem a pena serem citadas.
- No andar de cima, poxa Frederick, sei o quão remoto é sua localidade, mas, não é muita ousadia?
Frederick Rosenberg, cerca de 62 anos, um velhinho alemão que estava no ramo de trafico de órgãos a cerca de 23 anos, com o rápido crescimento do seu negocio, deixou de pegar a própria mercadoria em 2 anos, alguns anos depois= já tinha 5 filiais pelo estado, agora seu negocio exporta órgãos para todo o mundo, tendo como principais clientes, ditadores, milionários, cirurgiões e alguns artistas.
-Mas claro que não homem, veras que meu galpão especial é isolado por espessas paredes, que dão a impressão de ser uma casa normal por dentro, são paredes grossas, som ou cheiro jamais as transpassaria, e além do mais, os arredores de meu humilde museu orgânico é fortemente protegido pelos meus afiliados, apresse-se, tenho certeza que vai se surpreender.
Saímos da cozinha e seguimos para o andar de cima. Chegando lá, não deixei de perceber a enorme quantidade de quadros encontrados nas paredes, todos de pessoas diferentes, em um estilo 3X4, adentramos a sala, várias luzes foram acessas. A imagem, foi aterrorizante, 5 fileiras de mesas, englobadas com uma enorme redoma de vidro, se estendiam até o final da imensa galeria, cada mesa contendo um corpo.
-Vamos Johnson, não se importe com as peças mais pobres de meu acervo, vamos à sala especial, quero lhe mostrar minhas principais obras.
O olhar de Frederick mudará, se tornará soturno e impaciente, ele dava pequenos empurrões para que eu fosse mais rápido em direção a misteriosa sala, tão logo quando alcançamos, Frederick empurrou a porta, acendeu as luzes, e 2 homens encapuzados seguraram meus braços, e me puseram de costas para os corpos a minha frente, qual não os pude identificar.
-O que está fazendo Rosenberg, pensei que queria que uníssemos negocio no trafico de órgãos, o que está acontecendo agora em, pode me explicar?
Frederick olha para os lados, fecha as mãos e olho diretamente para meus olhos.
-Bem senhor Johnson, sabes que não gosto de concorrência, e você devia saber que seus antigos fornecedores não sumiram do nada, vamos meus afiliados, virem nossa mais nova obra prima.
Os dois homens encapuzados me põem de frente aos corpos nos enormes vidros verticais, 4 corpos flutuando no formol, homens fortes, todos familiares, eram meus fornecedores, todos conservavam uma terrível face de espanto, e bem no centro de todos eles, havia um quinto vidro, com a parte de cima aberta, cheio de formol.
-Frederick, por favor, Frederick, podemos conversar, é muito mais vantajoso para você se eu for seu parceiro, por favor, Frederick, não me mate!
-Bem senhor Johnson, você sabe por que esses corpos, mesmo depois de mortos, ainda preservam esse rosto espantado? A resposta é bem simples, porque eles foram colocados vivos ali, e morreram afogados no formol, e é claro que com você, a principal obra de meu acervo, não será diferente, vamos afiliados, ponha-o no tanque.

Tão logo comecei a me debater, mas os homens eram fortes demais e logo me afundei em todo aquele formol, não demorou muito para que eu começasse a me afogar, e meu rosto começasse a tomar uma face de desespero, e enquanto meus últimos fôlegos de ar subiam em bolhas, Frederick Rosenberg expressava um grande sorriso de satisfação, um riso igual a do artista que acaba de completar a melhor de sua obra.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Urubu-Rei

-Os abutres não param de rodear aquelas planícies nem um maldito minuto, e são muitos, como se estivessem a espreita de a uma matilha de carniça, impressionante.
Horácio franze a testa, observa o céu limpo, coberto apenas por uma nuvem espessa de urubus que circundavam a área fazia dias, eram centenas, e por mais que ele e seu empregado, João Arrebino fossem diariamente à busca de alguma carniça, ou algo que justificasse os abutres, sempre encontravam apenas uma árvore seca, bem ao meio da grande roda dos pássaros carniceiros, no meio do nada, apenas esperando a próxima ventania para leva-la para longe dali.
-Vamos embora João, não tem nada para fazer aqui, vamos voltar pra roça.
Sem demora os dois tomaram rumo de volta para fazenda, enquanto se preocupavam com os urubus, havia uma extensa plantação de milho, quase pronta para a colheita, mas os funcionários estavam assustados, reclamavam de sons no milharal à noite, e dos abutres, que mesmo há essa hora persistiam em voar, com maior número inclusive. Outro evento estranho que acontecia pela região foi o sumiço do cachorro da fazenda, o Espuleta, sempre corria pela fazenda, uma verdadeira alegria em toda aquela plantação, mas já havia uma semana que ele havia desaparecido, o que coincidia com o surgimento dos pássaros, que nunca cessavam o voo.
-João, acorda, aconteceu alguma coisa João, u chefe, u chefe sumiu, ele foi para nun sei aondi, eu ouvi uns gritu agora di poco e corri pro casarão, ele nun ta mais lá, mi ajuda João!
João acorda de tamanho mau humor, não entendendo de cara o que acabará de ouvir, olha pro lado de fora, e vê a lua cheia, verifica o relógio de bolso que estava acima da escrivaninha, eram 1:38 da manhã, com os olhos semiabertos, ele percebe a sua frente Gerson, um dos funcionários da fazenda.
-O que você quer cabra da peste, se me acordar de novo vou lhe meter um soco no bucho que jamais cagará direito na vida, e purque esses olhos di arregaladu, viu o espiritu do próprio lampião por acas...
João consegue agora se lembrar das palavras de Gerson, com um salto levanta da cama, veste um casaco e se põe em busca de Horácio.
-Desculpe Gerson, vamo.
João e Gerson adentraram o milharal em busca de Horácio, o frio do sertão parecia cortar a pele, os abutres persistiam em voar logo a frente, não havia nenhum vestígio de Horácio pelo milharal, o desespero de não encontrar o chefe os levaram até o local da árvore, onde uma terrível visão lhes congelou até a raiz dos ossos.
Bem a frente deles, um gigantesco urubu devorava o corpo morto de Horácio, a criatura cobria toda a árvore com suas asas, seu bico ensanguentado era maior que o torso de um homem adulto, suas garras eram com pontiagudas foices, seu corpo grande como de um hipopótamo, seus olhos vermelhos como rubis, e suas costas, conforme ele se alimentava, liberavam outros abutres, que rasgavam lhe o tecido e saiam voando, se juntando ao bando que voava logo acima.
João e Gerson assistiam sem reação ao terrível espetáculo, e quando não sobravam nem ossos de seu chefe, o dia finalmente despejou seus primeiros raios de Sol, a gigantesca ave explodiu em plumas negras, e conforme elas queimavam no ar, centenas de corvos surgiam por de dentro das plumas e voavam em direção oposto ao milharal, desaparecendo no horizonte.
Assim que a terrível criatura sumiu, João e Gerson correram para a fazenda, reunindo os funcionários o mais rápido possível e informando o ocorrido, alguns deles foram, muitos outros ficaram, mas João e Gerson não iriam embora antes de por a árvore maldita abaixo.
Logo após terem avisado a todos, eles se armaram de machados e gasolina e seguiram em direção a árvore, tão logo a alcançaram-na se puseram a cortar, e embora sua secura, uma seiva escarlate escorria dos buracos, como se fosse sangue, e após ela ser derrubada, uma grande pilha foi formada, e logo virou uma grande pira.
-Será que isso resolvi João? Eu quero ir embora logo sabe, esse lugar agora é amaldiçoado, onde poderia existir um passarão daquele?
João respira fundo e responde:
-Eu não sei Gerson, não sei.
Enquanto ambos observavam a árvore, não percebiam a cinza que descia dos céus, conforme a árvore queimava, os abutres queimavam juntos, e quando o primeiro caiu abutre caiu em chamas, logo Gerson e João se puseram a correr, antes que fossem alvejados por aquela chuva infernal.

Todos os pássaros caíram em chamas, inclusive alguns no milharal, que logo foi tomado pelo fogo. A história do gigantesco abutre virou lenda pela região, as únicas testemunhas oculares foram Gerson e João, que andam trabalhando em outras fazendas, hora plantando, hora contando suas lendas, mas uma coisa é certa, nenhum jornal da região deixou de publicar as fotos da plantação queimada, e muito menos dos pássaros carbonizados ao chão e o quanto, a falta de explicação do estranho evento ainda intriga os moradores.

domingo, 25 de agosto de 2013

Onomatopeia

-Knock, knock, knock!
Exclamava ele conforme subia as escadas, com passos vagarosos. Tadeu subia um riso malicioso nos lábios, um olhar soturno. Tadeu persistia em suas onomatopeias:
-Knock, knock, knock!
A porta ao fim do corredor estava fechada, trancafiada e bloqueada por uma enorme pilha de moveis, uma medida desesperada de proteção, e conforme as sombras dançavam sob a luz da lua, Tadeu continuava:
-Knock, knock, knock!
Os passos se tornavam aos poucos abafados, e o som de aproximação cada vez mais baixo, o medo jamais ausente, e conforme os passos silenciavam, o medo gritava no peito, Tadeu diante da porta, agora diz:
-Toc, toc, toc!
Sequenciados e bem ensaiados, o som das batidas na porta não podiam ser mais ritmados, a infernal sincronia denunciava um destino imutável, diante de todas as horas da vida, essa era a última.
-Toc, toc, toc!
A cada sequencia, a voz de Tadeu ia lentamente diminuindo, e as batidas aumentavam de intensidade, a tal ponto que, se tornaram brutais. Eram terríveis socos, o desespero e a dúvida eram crescentes quando madeira é a única salvaguarda.
-Toc, toc, toc!
As batidas cessaram a voz também, agora elas davam espaço para um som desproporcionalmente alto, as pequenas batidas se tornaram terríveis golpes, não demorou o recomeço da onomatopeia:
-Poc, poc, poc!
Talvez um martelo, uma marreta, ou uma mão provida da colossal brutalidade, Tadeu estava tentando por a porta abaixo, a voz alta já se tornará um grito, as batidas faziam tremer toda a barricada, o medo era angustiante, a paralisia foi involuntária.
-Poc, poc, poc!
As batidas, cada vez mais fortes, quão grandes são as muralhas da fortaleza interna? Provavelmente muito menores do que a rígida porta de madeira, e muito mais fina do que os móveis nela encostados, a porta começara a rachar.
-Poc, poc, poc!
Insuportáveis, nada mais nada menos que insuportáveis, os gritos, as batidas, à noite lá fora, a incessante ideia de morte transcorria cada nervo do corpo, que quase inerte, esperava uma chance de vida, um socorro, uma ajuda, e assim o primeiro estilhaço voou.
-Klunk!
Um grande pedaço de madeira, em queda livre ao chão, um terrível som, e aqueles olhos, ahh aqueles olhos atrás da porta, Tadeu devorava com eles, seu riso, purulento, rangia por desejo de carne.
-Crack!
O grito que destruía, conforme as ensanguentadas mãos de Tadeu punham a porta abaixo, ele repetia incessantemente essa palavra, e quando ele conseguiu atravessar a porta, seus olhos dilataram, como os de um lobo faminto.
-Crash
O som pôs toda a barricada ao chão, as fortes pernas de Tadeu se bastarão de um golpe para por a porta abaixo, agora com uma insaciável fome ele se dirigia até sua vítima, a encurralou na parede, e, e, ah, coff, ahhh, coff, gasp!
-Ih, ih, ih, ih!
 Ahh! Aquele riso, Juliana jazia morta enfrente a Tadeu, que por sua vez apreciava o corpo como uma obra de arte. Tamanha foi a brutalidade que ela nem ao menos conseguiu terminar sua narrativa fúnebre.
  “Bbrzzzz”. O som do pequeno gravador ao lado da de Juliana, que ainda persistia em gravar, denunciava cada passo daquele terror noturno, os rastros de sangue caminhavam até o lado de fora da casa, Juliana era a 5° vitima do monstro de Anville, e apenas agora tínhamos conseguido alguma pista, o homem sem registros, passado e nem presente, o homem que agora tinha um curioso titulo é o único nome, Tadeu, o “Onomatopeia”.