terça-feira, 27 de agosto de 2013

Urubu-Rei

-Os abutres não param de rodear aquelas planícies nem um maldito minuto, e são muitos, como se estivessem a espreita de a uma matilha de carniça, impressionante.
Horácio franze a testa, observa o céu limpo, coberto apenas por uma nuvem espessa de urubus que circundavam a área fazia dias, eram centenas, e por mais que ele e seu empregado, João Arrebino fossem diariamente à busca de alguma carniça, ou algo que justificasse os abutres, sempre encontravam apenas uma árvore seca, bem ao meio da grande roda dos pássaros carniceiros, no meio do nada, apenas esperando a próxima ventania para leva-la para longe dali.
-Vamos embora João, não tem nada para fazer aqui, vamos voltar pra roça.
Sem demora os dois tomaram rumo de volta para fazenda, enquanto se preocupavam com os urubus, havia uma extensa plantação de milho, quase pronta para a colheita, mas os funcionários estavam assustados, reclamavam de sons no milharal à noite, e dos abutres, que mesmo há essa hora persistiam em voar, com maior número inclusive. Outro evento estranho que acontecia pela região foi o sumiço do cachorro da fazenda, o Espuleta, sempre corria pela fazenda, uma verdadeira alegria em toda aquela plantação, mas já havia uma semana que ele havia desaparecido, o que coincidia com o surgimento dos pássaros, que nunca cessavam o voo.
-João, acorda, aconteceu alguma coisa João, u chefe, u chefe sumiu, ele foi para nun sei aondi, eu ouvi uns gritu agora di poco e corri pro casarão, ele nun ta mais lá, mi ajuda João!
João acorda de tamanho mau humor, não entendendo de cara o que acabará de ouvir, olha pro lado de fora, e vê a lua cheia, verifica o relógio de bolso que estava acima da escrivaninha, eram 1:38 da manhã, com os olhos semiabertos, ele percebe a sua frente Gerson, um dos funcionários da fazenda.
-O que você quer cabra da peste, se me acordar de novo vou lhe meter um soco no bucho que jamais cagará direito na vida, e purque esses olhos di arregaladu, viu o espiritu do próprio lampião por acas...
João consegue agora se lembrar das palavras de Gerson, com um salto levanta da cama, veste um casaco e se põe em busca de Horácio.
-Desculpe Gerson, vamo.
João e Gerson adentraram o milharal em busca de Horácio, o frio do sertão parecia cortar a pele, os abutres persistiam em voar logo a frente, não havia nenhum vestígio de Horácio pelo milharal, o desespero de não encontrar o chefe os levaram até o local da árvore, onde uma terrível visão lhes congelou até a raiz dos ossos.
Bem a frente deles, um gigantesco urubu devorava o corpo morto de Horácio, a criatura cobria toda a árvore com suas asas, seu bico ensanguentado era maior que o torso de um homem adulto, suas garras eram com pontiagudas foices, seu corpo grande como de um hipopótamo, seus olhos vermelhos como rubis, e suas costas, conforme ele se alimentava, liberavam outros abutres, que rasgavam lhe o tecido e saiam voando, se juntando ao bando que voava logo acima.
João e Gerson assistiam sem reação ao terrível espetáculo, e quando não sobravam nem ossos de seu chefe, o dia finalmente despejou seus primeiros raios de Sol, a gigantesca ave explodiu em plumas negras, e conforme elas queimavam no ar, centenas de corvos surgiam por de dentro das plumas e voavam em direção oposto ao milharal, desaparecendo no horizonte.
Assim que a terrível criatura sumiu, João e Gerson correram para a fazenda, reunindo os funcionários o mais rápido possível e informando o ocorrido, alguns deles foram, muitos outros ficaram, mas João e Gerson não iriam embora antes de por a árvore maldita abaixo.
Logo após terem avisado a todos, eles se armaram de machados e gasolina e seguiram em direção a árvore, tão logo a alcançaram-na se puseram a cortar, e embora sua secura, uma seiva escarlate escorria dos buracos, como se fosse sangue, e após ela ser derrubada, uma grande pilha foi formada, e logo virou uma grande pira.
-Será que isso resolvi João? Eu quero ir embora logo sabe, esse lugar agora é amaldiçoado, onde poderia existir um passarão daquele?
João respira fundo e responde:
-Eu não sei Gerson, não sei.
Enquanto ambos observavam a árvore, não percebiam a cinza que descia dos céus, conforme a árvore queimava, os abutres queimavam juntos, e quando o primeiro caiu abutre caiu em chamas, logo Gerson e João se puseram a correr, antes que fossem alvejados por aquela chuva infernal.

Todos os pássaros caíram em chamas, inclusive alguns no milharal, que logo foi tomado pelo fogo. A história do gigantesco abutre virou lenda pela região, as únicas testemunhas oculares foram Gerson e João, que andam trabalhando em outras fazendas, hora plantando, hora contando suas lendas, mas uma coisa é certa, nenhum jornal da região deixou de publicar as fotos da plantação queimada, e muito menos dos pássaros carbonizados ao chão e o quanto, a falta de explicação do estranho evento ainda intriga os moradores.

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